O ruído pode viciar – afirma especialista
Especialista em acústica e diretora técnica da Audium, a arquiteta Débora Barretto fala sobre como os ruídos interferem na sensação de bem-estar dos indivíduos e da sociedade em geral.
Para ela, a falta de entendimento sobre os riscos da poluição sonora torna a cidade praticamente insalubre em termos de ruídos urbanos.
Como minimizar os efeitos dos ruídos a que estamos submetidos diariamente e nem nos damos conta?
A gente se expõe a muitos ruídos no dia a dia e não nos damos conta, o que é muito perigoso.
Exemplo disso é o barulho do ar-condicionado no escritório ou mesmo do tráfego. O que a gente faz para solucionar esse incômodo? Aumenta o volume da TV, põe um fone, liga um ventilador para abafar os demais ruídos.
Só que tudo isso é muito perigoso, principalmente se forem estratégias adotadas na hora de dormir.
Os efeitos dos ruídos são cumulativos, surgem a médio e longo prazo, por isso a melhor saída é a proteção. Claro que sobre muita coisa a gente não tem controle, mas temos de estar atentos a isso e sempre em contato com os sons da natureza: cachoeira, pássaros, mar, árvores. Tudo isso nos conecta conosco mesmo e é fundamental para recarregar a energia.
Quais são os principais malefícios à saúde?
As doenças do século estão relacionadas à exposição do ruído: ansiedade, estresse e depressão.
As pessoas têm ficado cada vez mais ansiosas, intolerantes, porque o ambiente acústico que a gente vive impacta diretamente no nosso comportamento.
O lugar não precisa ser totalmente silencioso, desde que seja confortável.
Os níveis de ruído adequados têm muito a ver com atividade você está fazendo naquele momento: uma coisa é estudando, trabalhando dormindo.
Outra coisa é num restaurante, numa festa.
São níveis de conforto que devem se adequar à sua atividade.
O barulho pode viciar? Ou melhor, é possível aumentar a tolerância a ele e mesmo sentir falta/ansiedade em um lugar totalmente silencioso?
O som pode viciar sim.
As pessoas que são constantemente expostas a ruídos se sentem mal em ambientes silenciosos, desconfortáveis, como se fosse uma droga.
Esse é o grande perigo. Porque quando você abre mão dessa droga, você sente falta e tenta compensar de alguma forma.
Tudo isso é provado cientificamente. Infelizmente, o ruído vicia.
Se a pessoa não consegue dormir sem ruído, sente falta da TV e do ar-condicionado, é porque ela está viciada. Mas é algo que passível de reversão, desde que você se permita sentir esse desconforto para depois equilibrar seu organismo e fazer o que a sua saúde precisa.
A melhor forma das pessoas perceberem é as pessoas se permitirem estar em ambientes silenciosos, porque o som nos conecta com o momento presente. Senão você não vai perceber e só vai se dar conta quando vier uma série de problemas gástricos, cardíacos e do sistema nervoso.
E como fazer para se livrar, dentro de casa, dos barulhos da vizinhança? Vejo muita gente recorrendo a protetores auriculares, ou mesmo a fones que tenham isolamento acústico…São boas opções?
Usar protetor auricular não é solução.
O uso diário pode trazer complicações, como uma irritação ou mesmo uma inflamação no ouvido. A melhor solução sempre passar por trabalhar na emissão sonora. O ideal é buscar a fonte, reduzir o ruído ambiente.
Se é um bar, denunciar, porque ele tem que ser isolado acusticamente.
É possível também fazer o uso de esquadrias que garantam esse isolamento acústico e preservem a ventilação natural, por exemplo. Vale uma orientação técnica para que o profissional possa avaliar a demanda de isolamento e orientar a solução mais eficaz e econômica.
Só com uma orientação técnica é que você pode economizar e ter um resultado satisfatório, senão você só vai ficar na tentativa.
Tem muitas opções, mas cada caso é um caso.
Você é da área de arquitetura/engenharia, então queria saber, da sua perspectiva, se Salvador é uma cidade efetivamente barulhenta – inclusive, comparada a outras cidades do país. Pode ficar à vontade para fazer uma consideração enquanto cidadã também.
Acho Salvador uma cidade muito ruidosa, sim.
Parte disso pela falta do entendimento dos impactos da poluição sonora na saúde, por isso propago muito essa questão.
As pessoas associam muito isso a uma questão cultural. A gente tem que questionar essa venda da cidade enquanto festiva, porque não é só isso.
As pessoas precisam estudar, trabalhar, descansar.
Há cidades no mundo todo tão festivas e culturais quanto que equacionam melhor essa questão, com contribuições do poder público e do cidadão.
Essa falta de entendimento torna a cidade praticamente insalubre em termos de ruídos urbanos. Acho que melhoramos muito, com a fiscalização de bares e outros estabelecimentos comerciais.
Não acho que Salvador é a cidade mais ruidosa do Brasil, tem piores, mas temos muito a caminhar e evoluir.
A matéria “As doenças do século têm relação com o ruído” com a arquiteta Débora Barretto foi publicada no Correio24horas
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