Projeto Design – Versatilidade para o conforto acústico
Sons gerados pelo tráfego de veículos, geradores, ar-condicionado e outros equipamentos de uso cotidiano, além do ruído das multidões, contribuem para o aumento da poluição sonora em grandes cidades. a preocupação com os danos decorrentes é evidenciada pela quantidade de soluções acústicas que o mercado da arquitetura anuncia com frequência, relacionadas a forros, painéis, vidros, lãs especiais, mantas e aos mais diversos materiais, capazes de garantir um bom desempenho das construções.
Em evidência, o assunto foi escolhido como tema da 2ª Conferência Municipal sobre Ruído, Vibração e Perturbação Sonora, prevista para ser realizada no final de abril, em São Paulo, por iniciativa da Associação Brasileira para a Qualidade Acústica (ProAcústica). Contava-se com a participação de arquitetos especialistas em acústica, pesquisadores da área, engenheiros, físicos, advogados e jornalistas. Além de abrir um diálogo sobre as soluções para a mitigação da poluição sonora, o evento discutiria questões relacionadas aos desafios de uma cidade 24 horas, com alto índice de entretenimento noturno, o excesso ou a falta de normas voltadas para o setor, além do monitoramento do ruído urbano. E aventava a possibilidade de se implementar um projeto piloto em São Paulo, além das diretrizes para um novo projeto de lei sobre ruído urbano, em que se mapeie a paisagem sonora da cidade.
“Esclarecer quais são os pontos críticos principais e que conexões já existem em relação ao planejamento urbano, e seus benefícios para a cidade, é o objetivo desse mapeamento”, afirma o arquiteto e urbanista Marcos Holtz, mestre em acústica e coordenador da Comissão Acústica Ambiental da ProAcústica, que assinalou os pontos estruturantes do encontro. À frente de diversos projetos acústicos de auditórios, museus, hotéis e shopping centers, o escritório Harmonia Acústica, que tem Holtz como sócio‑diretor, é responsável pela consultoria e projeto acústico do Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro (MIS/RJ). Em construção na avenida Atlântica, em meio à zona residencial da orla da praia de Copacabana, a proposta arquitetônica concebida pelo escritório Diller Scofidio + Renfro tem como principal desafio acústico controlar o vazamento do som para o exterior. “Foi necessário prever um duplo isolamento: da avenida para o museu e do museu para os vizinhos”, explica Holt,que, para atender a essa demanda, definiu o emprego de elementos absortivos no forro e o envelopamento do edifício com concreto e vidro laminado.
A ideia do empreendimento é proporcionar ao visitante uma experiência sensorial, como é o caso do espaço da Boate, que contará a história da noite carioca e a genealogia da música black, com influência do funk; e da Sala Carnaval, que mostrará a história da tradicional festa carioca, com a projeção 360 graus do som da bateria de uma escola de samba. Nesses dois ambientes era necessário garantir o conforto e o isolamento acústico. Para isso, foram usados vidros duplos – para a Boate se conectar visualmente com o átrio assimétrico que vai do térreo ao último pavimento -, contrapisos flutuantes e painéis com lã mineral de tecido e forros acústicos.
Outro espaço de destaque do museu é o cineteatro, ambiente versátil com capacidade para 280 pessoas. Por permitir diferentes usos, como projeção de filmes, auditório e sala de espetáculos, o revestimento acústico tinha que garantir a reflexão e também a absorção do som. O projeto arquitetônico previa painéis de madeira em formato de onda nas três paredes principais, modelados em 3D, para representar tanto as ondas do mar como as do som. “A intenção era visualizar as ondas sonoras se propagando pela parede, o que foi uma ideia polêmica e difícil de executar. Mas que, por fim, atendeu às demandas estética, conceitual e acústica”, lembra Holtz. A sala conta ainda com a parede posterior feita em vidro, em contato com o foyer do museu, além de cortinas de veludo que absorvem o som e escurecem o ambiente em sua configuração de cinema.
A maior parte da solução acústica foi personalizada para o MIS/RJ. “A acústica não pode impor uma solução, ela resulta sempre da arquitetura e, portanto, foram estudadas em conjunto neste projeto, que se desenvolveu através de um processo interessante e interativo”, revela Holtz.
Casas que recebem grandes espetáculos também contam com elementos acústicos para garantir o isolamento do som, como o Teatro Porto Seguro, localizado em São Paulo. Com inauguração prevista para o início de maio, a área de cerca de 4,2 mil metros quadrados dará espaço a uma sala com 504 lugares, segundo o projeto do escritório AIC Arquitetura & Urbanismo. Possibilitar a uniformidade sonora em todos os lugares da plateia, tanto em eventos ao vivo ou amplificados, para atender também a encontros corporativos multimídia, foram os pilares do projeto acústico.
Entre os desafios de um espaço como este, está o controle dos ruídos de ar-condicionado, transformadores e outras instalações. A reverberação excessiva, bem como ecos e ressonâncias no palco, também foram objetos de maiores cuidados. O consultor acústico do projeto, Alexandre Sresnewski, conta que a opção foi pelo emprego de materiais com acabamentos e tipologias com características peculiares de isolamento para cada parte, como teto, paredes, pisos e palco. “Foram usados materiais acusticamente versáteis, da Nexacustic, produzidos pela OWA, com absorção em algumas superfícies e difração em outras. Nas paredes, utilizou-se uma mistura de painéis absorventes e refletentes. E no teto, refletores curvos em gesso, para levar os sons do palco até a plateia. Além disso, colocamos outros painéis de tecido sobre mantas minerais”, ele detalha.
Porém, não são apenas ambientes com alto fluxo de pessoas que requerem cuidado especial com a paisagem sonora. Comportando até 170 pessoas, o restaurante de comida japonesa Djapa, de São Paulo, levou o conforto acústico em consideração. A solução adotada foi o forro suspenso Heradesign, importado da Alemanha pela fábrica Knauf AMF. Diferente de um forro de gesso, por exemplo, por ser feito com fibras de madeira, tem absorção sonora otimizada.
Em outros casos, a principal preocupação não é com o vazamento do som, mas com a interferência da poluição sonora externa. O escritório do hangar da companhia aérea TAM, no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, precisava minimizar o ruído constante dos aviões no ambiente interno. O edifício estava vedado por sanduíche de vidros insulados, de oito milímetros, e câmara de ar de nove milímetros, resultando em vidro de 40 kg/m², com ruído de até 104 decibéis. Após diversos estudos e o uso de recursos tecnológicos, como a holografia acústica, que revela o nível de ruído e por onde ele é transmitido na fachada, a Atenua Som identificou o ponto fraco do sistema existente e buscou uma opção que melhor correspondesse à demanda. De acordo com Edison Moraes, diretor da empresa, a decisão foi substituir os vidros antigos por multilaminados de seis milímetros, com câmara de ar de quatro milímetros, e outro vidro de seis milímetros, da Cebrace. Com isso, além de um sistema mais leve, a medição do ruído mostrou uma queda para 56 decibéis.
Independentemente do tipo de vidro, o desempenho acústico será determinado pelo conjunto composto por caixilho e isolamento. Para o gerente de marketing da Cebrace, Carlos Henrique Mattar, o caso do hangar mostra a importância de uma especificação correta. “Não existe fórmula para identificar um vidro ideal para cada projeto, é preciso fazer uma análise do local e do tipo do ruído que se pretende barrar a fim de obter o conforto acústico”. Seguindo tal linha, a empresa lançou o aplicativo gratuito Cebrace Acústica, que permite que cada usuário verifique qual seria o vidro mais apropriado às diversas situações do cotidiano.
[portfolio_slideshow id=1617]Texto de Gabriela Nunes| Publicada originalmente em Projeto Design na Edição 421
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